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domingo, 5 de agosto de 2012

Janela do Tempo - O ANÚNCIO

O ANÚNCIO - Educador Glauco César

              Estávamos perigosamente na beira do mês de natal, bastava uma escorregadela e fatalmente cairíamos no mês das festas do simpático e barrigudo velhinho que insistia em não mandar nenhum brinquedo para nós.
Como sempre, Salta Caminho que não era bobo nem nada, reclama da falta de sorte, e impiedosamente me segreda, relatando suas desconfianças em relação ao bom velho.
Em sua opinião, o já famoso bonachão, ou era mau caráter, ou já morrera, ou por outra nunca existira, era na verdade mais uma daquelas maldades, que os mais velhos costumam pregar nas crianças desinformadas.
Naquela tarde de sábado, fumegante que nem batata quente abrasava não somente nossos pés, como também fervilhavam nossos pensamentos!
               - O calor só não evapora minha vontade de urinar!
               Corri apressadamente para a beira do riacho, baixei o calção, quando de repente, ouço em tom militar, uma reclamação.
               - Graveto, não faça isso, assim você estaria dando um presente de grego, para a natureza! Além de que o riacho não está com sede, ademais essa água que você quer espalhar está mais quente que o sol. Que amigo é você? Será um amigo-da-onça? Vá para casa que lá tem um sanitário.
              -Ta certo, Salta Caminho!  Retruquei apertadamente: - Você tem razão, volto logo, pois, preciso colocar em pratos limpos, nossa conversa sobre o natal, pois, ouvi dizer na cidade, que a festa é do nascimento de Jesus, e não do Papai Noel! Será verdade?
               Sem esperar pela resposta do meu amiguinho, corro em louca disparada, pois não podia esperar nem mais um minuto, senão minha torneira me molharia todo.
                Não fui alcançado por ninguém, a não ser pela minha sombra, só que a danada não se cansa, pois corre sempre deitada!
               Em frações de segundos estou exatamente próximo do sanitário da casa do sítio, a porta estava encostada, dou algumas pancadas, empurro-a e... Entro!
            Não sei por que, mas a sombra ficou do lado de fora, ela preferiu não entrar. Ainda bem!
              Finalmente posso esvaziar meu reservatório, é o que faço imediatamente, e isto me dá um estranho prazer, não sei se pelo fato de apenas me esvaziar ou, porque nessas horas, fico matutando em bestagem, que após o fato consumado, por mais que me esforce não me lembro em que estava pensando!
               Tio Zé Grandão quando vai fazer pipi, ele diz que vai extrair água do joelho, já sua irmã, Zefinha Tarrafa, que ficou pra titia, diz que vai dá de beber ao passarinho. Contudo, vovô... Após gargalhar, diz que vai caçar. É muito estranha a maneira deles dizerem a mesma coisa. Não acham? 
              Após o derradeiro pingo, sem me importar com o meu velho e desbotado calção de chita, agora úmido, por receber os respingos do ato praticado, então, levanto o calção!
            É exatamente aí que percebo acima do vaso sanitário, uma placa de papel que informava em letras garrafais: ATENÇÃO – PUXE O BOTÃO DE VOLTA.
            Eu estava de saída. No meu pensamento de criança já me encontrava junto ao regato, ao lado de Salta Caminho, saltando e caminhando livremente pelo campo, e, vez por outra, estibungando nas águas refrescantes do córrego!
            Quebro imediatamente meu pensamento. Detenho-me pensabundo num misto de penseroso e meditativo junto ao aviso. - O que na verdade ele quer dizer?
              Rebusco na memória alguma explicação, lembro-me que ontem estive com meu pai na cidade, e lá fomos até o banco buscar dinheiro. A porta da agência era de vidro e estava fechada.
             Meu pai, em casa, era um homem sisudo, mas amável, usava sempre sapatos pretos, tipo Senador, engraxados com pomada para calçados nugget, retocado com tinta tic-tac.
           Sua calça preta de linho braspérola, constantemente bem engomada, contrastava com a camisa branca, de mangas compridas, na verdade bem passadas, com ferro de engomar a carvão.
            Camisa perseverantemente dentro da calça, a rigor, sempre usando um chapéu de marca. Qualidade Brasil!
             Papai era charmoso, esguio, elegante, usava um discreto bigode. Ah! Sim... Ele era um irrecuperável conquistador nato! Não podia ver um rabo de saia, logo estava exibindo todo seu galanteio para mais uma bela balzaquiana!
            Parece que isso lhe fazia bastante bem, era como se fosse uma massagem no seu ego. Ele se transformava, enxotava o rosto sisudo e em seu lugar colocava uma face simpática a exibir um agradável sorriso largo.
            Quanto mais me orgulhava dele, mais papai segurava com firmeza minha mão, para evitar qualquer imprevisto.
            Meu pai chamava-se Gumercindo, contudo as moças chamavam-no de Gucindinho!?...
Preciso afugentar meus pensamentos e contar o que aconteceu na porta da agência bancária.
          Meu pai me explicou o letreiro que estava na porta: EMPURRE. Lembro-me que empurrei. A porta lentamente abriu, então entrei, quando olhei para a mesma estava escrita nela PUXE, imediatamente puxei, segui meu instinto e novamente estava do lado de fora do Banco.
        Eureca!... É isso, o aviso no sanitário é semelhante ao do Banco, no entanto é diferente, pois, é o inverso!
            Com toda certeza, aquele aviso quer que eu coloque água no sanitário, pois, apesar das borbulhas boiando n’água, agora tingida com o líquido amarelo com um cheiro acro, por mais que seja bonito, não é saudável.
          Imediatamente tentei puxar o botão, que parecia emperrado, ou mesmo, emburrado, feito uma mula cabeça dura, que não sai do lugar!
         Nada aconteceu, nenhum pingo d’água, a não ser o que coloquei com minha torneirinha, água que por sinal era malcheirosa!
            Tento puxar outra vez e nada, tento mais outra, e outra, e outra... Vou ficando cada vez mais nervoso, quando estava preste a me abufelar, tentei fazer o contrário do que eu entendia no aviso.
             Ao empurrar o botão, semelhante à pedra de Moisés, jorrou água no Sanitário, que não quis mais parar de verter!
             Tentei de tudo para parar, e a água jorrando, gritei, ralhei, xinguei, esperneei e... A água insistia em correr!
              Se continuar assim vai secar o ribeiro, apelei, tentei desfazer o milagre... Aí foi que percebi que era mais fácil fazer chover água no sanitário, que estagnar a chuva!
             Nesse caso só mesmo os deuses, e esses não vivem na terra, quanto mais num brejo esquecido no meio do mato. Que fazer?
           Estava ali uma fonte que não parava de jorrar! Dona Alfava, mãe de Salta Caminho ralhou ao longe, dizendo: - Menino estanque a água, siga o conselho do Anúncio no papel da parede que a água pára!
       Então, eu me liguei, transita em meu cérebro um pensamento no mínimo, quase impossível de realizar! No banco após entrar, para sair dele, tive que puxar a porta, mais para puxar, tinha que estar dentro da Agência!
        Será? Pensei preocupadamente, tenho mesmo que entrar pelo vaso sanitário para poder puxar o botão, semelhante ao acontecido no Banco?
         Sem querer pensar muito na hipótese, passei logo ao finalmente! Só que não consegui, podem acreditar, entrar pelo cano, digo melhor, pelo vaso sanitário! Era totalmente impossível!!...

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