Encontrava-me
encostado preguiçosa e despreocupadamente naquela frondosa jaqueira, na medida
em que observava, à minha frente, as folhas do jamelão balouçando de um lado
para o outro, numa estranha coreografia, talvez, em agradecimento pela
enxurrada que há pouco houvera acontecido.
Foi
muito bonito, no momento que divide na metade o dia alumiado, às doze horas, em
meio ao calor estonteante, ver o dia mudar de rumo e, com medo e desconfiança,
perceber os ventos empurrarem as nuvens escuras, com ímpeto desgovernado, em
direção ao sol, fazendo-o fugir do céu e, de repente, o dia escurecer.
O
tufão impetuoso e contínuo, a chacoalhar as árvores de um lado para o outro,
que procuravam agarrar-se desesperadamente ao solo, para não serem arrancadas
violentamente de suas moradias, que é o chão!
As
nuvens escuras sacudidas de uma extremidade a outra, feito um bobo pêndulo de
relógio ao bel-prazer do vendaval. Aquele vento muito forte e tempestuoso
provocou uma luta descomunal a ponto de bradarem trovejadamente, retumbando num
ribombeio ensurdecedor.
A
luta foi tamanha que de repente, pudemos, com esses olhos que a terra haverá de
comer, observar até mesmo as armas utilizadas naquela luta desumana e desigual.
Eram
lanças refulgentes, que eram jogadas com o intuito de rasgar o bucho do céu.
Esses relâmpagos com suas descargas de eletricidade atmosférica abriram as
comportas do espaço limitado pelo horizonte, fazendo chover copiosamente sobre
a terra.
A
água que caía, fazia subir aquele cheiro gostoso de terra, que só sentimos
quando chove.
Naquele
instante precipitava sobre mim, uma tristeza e uma saudade incontida, não sei
lá de que!
Isto
é comum em dias de chuva! Então, escavaco minha mente procurando lembrar-me do
ilembrável!
Como minha recordação continuava confusa, com o esfregão da mente, jogo para
fora o apontamento da lembrança sem vestígio algum, pois, nada foi retido nas
idéias adquiridas anteriormente...
Ah!
Sim, lembro-me perfeitamente do acontecimento inusitado ocorrido com mamãe,
ontem depois do almoço.
Isto
só poderia ter acontecido com ela mesma! Seria impossível acontecer com outra
pessoa. Eu aposto!?...
Veja
só quem vem chegando, com seu jeito maroto e brejeiro. Como sempre
despreocupado, mas boa praça.
Quando
o vejo, começo a rir, só de imaginar a gargalhada que Salta Caminho dará, ao
tomar conhecimento da última novidade, acontecida com Dona Encrenca, que é como
papai comumente se refere à minha mãe!
Salta
Caminho chega logo comentando que, por causa da chuva repentina, ele foi
obrigado a almoçar na casa da madrinha, Dona Benta, esposa de Seu Dilermando,
que tem uma dúzia mais quatro, de filhos.
Dezesseis
filhos! São muitas bocas para dar de comer, sem contar que de vez em quando,
Salta Caminho que é seu afilhado, sem prévio aviso, obriga Dona Benta
acrescentar água no feijão, pois, termina comendo por lá.
Foi
exatamente o que aconteceu hoje.
- Eu posso contar o que aconteceu?
Retruca Salta Caminho.
- Pode! Desde que eu conte o
ocorrido com mamãe, ontem quando ela veio do trabalho para almoçar. Falei de
modo imperativo!
- Pois é, (disse Salta Caminho),
mamãe pediu que eu levasse para sua comadre Dona Benta um bolo de mandioca, o
danado cheirava tanto que minha venta se ascendeu. Desde lá de casa até o
rancho de madrinha, minha boca ficou cheia d’água, a ponto de me sufocar, quase
provocando uma tragédia... Meu afogamento.
Quando
lá cheguei, logo fui gritando: Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!...
Zeferino,
o filho mais alvoroçado, então respondeu: - Para sempre seja louvado!
-
Entra menino de
Deus, chegou na hora boa. Vamos matar quem está nos matando?
Foi
justo aí que o dia pretejou, e uma rajada forte de vento sibilante correu pela
casa, e, sem ter nem pra que, começou a chover forte!
Assim,
fui obrigado a ficar para o almoço. A comida já estava posta na mesa. Ou melhor,
já estavam distribuídas nos dezoito pratos. Não havia sobrado nadica de nada
nas panelas, tudo já estava equitativa e parcimoniosamente distribuído!
Madrinha,
mais que ligeira, colocou na mesa outro prato e, imediatamente retirou um
pouquinho de cada prato. Assim o milagre da multiplicação estava completado!
-
Olha, Salta Caminho,
é pouco, mas é de coração e com muito amor. - Disse Dona Benta.
Ao
que retruquei: Dá-me com pouco amor, mas com muita comida! Ora essa!...
Todos
me olharam espantados. Então eu disse: É brincadeirinha! E sorrimos juntos.
-
Imediatamente interrompi meu amiguinho passando a contar o que houvera
acontecido dia anterior com minha mãe.
Como
você sabe, mamãe e papai estão roçando a terra de Seu Quincas, que teve um mal
súbito, um tal de passamento passageiro!
Por
conta do tal treco, o pessoal planejou um mutirão, por isso mamãe vem pra casa
antes de papai. Prepara o almoço e, geralmente volta para o mutirão antes de
papai chegar.
Para
não perder muito tempo, ela faz o percurso utilizando sempre da “sopa” que faz
a linha para essas bandas.
Pois
bem, ontem, quando mamãe chegou, preparou o almoço, quando a comida estava
esquentando, ela aproveitou para tomar banho.
Almoçou
apressadamente, como diz o pessoal daqui, ela rodeou a mesa e partiu!
Por
estar na hora da lotação passar, ela foi até o ponto. O ônibus logo chegou,
então quando mamãe foi passar na borboleta sentiu que um homem mal-encarado se
aproximou e, de forma desajeitada bateu no seu braço.
Só
então mamãe percebeu que não estava mais com o seu relógio de pulso. O danado
do homem o roubara. - Que ladrão safado! - Retrucou consigo mesma.
Sem
dizer nada, ela foi decidida a recuperar o roubo. Senta no assento ao lado do
salafrário.
Trêmula,
desajeitada, mas, decidida, abre uma sacola onde carregava alguns pertences de
mulher, pega uma escova de pentear cabelo, encosta o cabo da escova, na barriga
do homem mal encarado, aquele salafrário que momentos antes lhe roubara o
relógio e, em tom decidido, com a sacola ainda aberta, diz ao meliante: - Ponha
aqui, rapidamente o relógio!
-
O homem ante a surpresa e assustado, tira o relógio de seu braço, sem dizer uma
única palavra, e em face à pressão do objeto contundente, de forma ligeira e
dissimulada coloca o relógio na sacola.
Mui
rápida foi a reação de mamãe. Pede parada ao ônibus!
O
motorista encosta o veículo. Chorando mamãe desce do coletivo e volta
desconsolada para casa.
Ao
chegar à nossa casa ela conta o ocorrido, para papai, que já havia chegado,
pedindo dele as devidas providências.
Nesse
instante surge, não mais que de repente, Célio Pneu, meu irmão menor, que saíra
do banheiro gritando: - Mamãe!... Mamãe!... A Senhora deixou no banquinho do
banheiro... O seu relógio!?...
-
Entregando-a o cobiçado objeto!
Jerfferson Douglas, grande primo e amigo, te sou grato pelo compartilhamento
ResponderExcluirOi, maninho César. Amo ler os seus contos. Você é genial! Parabéns!
ResponderExcluir