O ANÚNCIO - Educador Glauco César
Estávamos
perigosamente na beira do mês de natal, bastava uma escorregadela e
fatalmente cairíamos no mês das festas do simpático e barrigudo velhinho
que insistia em não mandar nenhum brinquedo para nós.
Como
sempre, Salta Caminho que não era bobo nem nada, reclama da falta de
sorte, e impiedosamente me segreda, relatando suas desconfianças em
relação ao bom velho.
Em
sua opinião, o já famoso bonachão, ou era mau caráter, ou já morrera,
ou por outra nunca existira, era na verdade mais uma daquelas maldades,
que os mais velhos costumam pregar nas crianças desinformadas.
Naquela
tarde de sábado, fumegante que nem batata quente abrasava não somente
nossos pés, como também fervilhavam nossos pensamentos!
- O calor só não evapora minha vontade de urinar!
Corri apressadamente para a beira do riacho, baixei o calção, quando de
repente, ouço em tom militar, uma reclamação.
-
Graveto, não faça isso, assim você estaria dando um presente de grego,
para a natureza! Além de que o riacho não está com sede, ademais essa
água que você quer espalhar está mais quente que o sol. Que amigo é
você? Será um amigo-da-onça? Vá para casa que lá tem um sanitário.
-Ta certo, Salta Caminho! Retruquei apertadamente: - Você tem razão,
volto logo, pois, preciso colocar em pratos limpos, nossa conversa sobre
o natal, pois, ouvi dizer na cidade, que a festa é do nascimento de
Jesus, e não do Papai Noel! Será verdade?
Sem
esperar pela resposta do meu amiguinho, corro em louca disparada, pois
não podia esperar nem mais um minuto, senão minha torneira me molharia
todo.
Não fui alcançado por ninguém, a não ser pela minha sombra, só que a
danada não se cansa, pois corre sempre deitada!
Em
frações de segundos estou exatamente próximo do sanitário da casa do
sítio, a porta estava encostada, dou algumas pancadas, empurro-a e...
Entro!
Não sei por que, mas a sombra ficou do lado de fora, ela preferiu não entrar. Ainda bem!
Finalmente
posso esvaziar meu reservatório, é o que faço imediatamente, e isto me
dá um estranho prazer, não sei se pelo fato de apenas me esvaziar ou,
porque nessas horas, fico matutando em bestagem, que após o fato
consumado, por mais que me esforce não me lembro em que estava pensando!
Tio
Zé Grandão quando vai fazer pipi, ele diz que vai extrair água do
joelho, já sua irmã, Zefinha Tarrafa, que ficou pra titia, diz que vai
dá de beber ao passarinho. Contudo, vovô... Após gargalhar, diz que vai
caçar. É muito estranha a maneira deles dizerem a mesma coisa. Não
acham?
Após
o derradeiro pingo, sem me importar com o meu velho e desbotado calção
de chita, agora úmido, por receber os respingos do ato praticado, então,
levanto o calção!
É
exatamente aí que percebo acima do vaso sanitário, uma placa de papel
que informava em letras garrafais: ATENÇÃO – PUXE O BOTÃO DE VOLTA.
Eu
estava de saída. No meu pensamento de criança já me encontrava junto ao
regato, ao lado de Salta Caminho, saltando e caminhando livremente pelo
campo, e, vez por outra, estibungando nas águas refrescantes do
córrego!
Quebro
imediatamente meu pensamento. Detenho-me pensabundo num misto de
penseroso e meditativo junto ao aviso. - O que na verdade ele quer
dizer?
Rebusco
na memória alguma explicação, lembro-me que ontem estive com meu pai na
cidade, e lá fomos até o banco buscar dinheiro. A porta da agência era
de vidro e estava fechada.
Meu
pai, em casa, era um homem sisudo, mas amável, usava sempre sapatos
pretos, tipo Senador, engraxados com pomada para calçados nugget,
retocado com tinta tic-tac.
Sua
calça preta de linho braspérola, constantemente bem engomada,
contrastava com a camisa branca, de mangas compridas, na verdade bem
passadas, com ferro de engomar a carvão.
Camisa perseverantemente dentro da calça, a rigor, sempre usando um chapéu de marca. Qualidade Brasil!
Papai
era charmoso, esguio, elegante, usava um discreto bigode. Ah! Sim...
Ele era um irrecuperável conquistador nato! Não podia ver um rabo de
saia, logo estava exibindo todo seu galanteio para mais uma bela
balzaquiana!
Parece
que isso lhe fazia bastante bem, era como se fosse uma massagem no seu
ego. Ele se transformava, enxotava o rosto sisudo e em seu lugar
colocava uma face simpática a exibir um agradável sorriso largo.
Quanto mais me orgulhava dele, mais papai segurava com firmeza minha mão, para evitar qualquer imprevisto.
Meu pai chamava-se Gumercindo, contudo as moças chamavam-no de Gucindinho!?...
Preciso afugentar meus pensamentos e contar o que aconteceu na porta da agência bancária.
Meu
pai me explicou o letreiro que estava na porta: EMPURRE. Lembro-me que
empurrei. A porta lentamente abriu, então entrei, quando olhei para a
mesma estava escrita nela PUXE, imediatamente puxei, segui meu instinto e
novamente estava do lado de fora do Banco.
Eureca!... É isso, o aviso no sanitário é semelhante ao do Banco, no entanto é diferente, pois, é o inverso!
Com
toda certeza, aquele aviso quer que eu coloque água no sanitário, pois,
apesar das borbulhas boiando n’água, agora tingida com o líquido
amarelo com um cheiro acro, por mais que seja bonito, não é saudável.
Imediatamente
tentei puxar o botão, que parecia emperrado, ou mesmo, emburrado, feito
uma mula cabeça dura, que não sai do lugar!
Nada aconteceu, nenhum pingo d’água, a não ser o que coloquei com minha
torneirinha, água que por sinal era malcheirosa!
Tento
puxar outra vez e nada, tento mais outra, e outra, e outra... Vou
ficando cada vez mais nervoso, quando estava preste a me abufelar,
tentei fazer o contrário do que eu entendia no aviso.
Ao empurrar o botão, semelhante à pedra de Moisés, jorrou água no Sanitário, que não quis mais parar de verter!
Tentei de tudo para parar, e a água jorrando, gritei, ralhei, xinguei, esperneei e... A água insistia em correr!
Se
continuar assim vai secar o ribeiro, apelei, tentei desfazer o
milagre... Aí foi que percebi que era mais fácil fazer chover água no
sanitário, que estagnar a chuva!
Nesse caso só mesmo os deuses, e esses não vivem na terra, quanto mais num brejo esquecido no meio do mato. Que fazer?
Nesse caso só mesmo os deuses, e esses não vivem na terra, quanto mais num brejo esquecido no meio do mato. Que fazer?
Estava
ali uma fonte que não parava de jorrar! Dona Alfava, mãe de Salta
Caminho ralhou ao longe, dizendo: - Menino estanque a água, siga o
conselho do Anúncio no papel da parede que a água pára!
Então,
eu me liguei, transita em meu cérebro um pensamento no mínimo, quase
impossível de realizar! No banco após entrar, para sair dele, tive que
puxar a porta, mais para puxar, tinha que estar dentro da Agência!
Será?
Pensei preocupadamente, tenho mesmo que entrar pelo vaso sanitário para
poder puxar o botão, semelhante ao acontecido no Banco?
Sem
querer pensar muito na hipótese, passei logo ao finalmente! Só que não
consegui, podem acreditar, entrar pelo cano, digo melhor, pelo vaso
sanitário! Era totalmente impossível!!...
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