O VENDEDOR
DE LIVROS
- Educador
Glauco César
Folheando as
amareladas e quase desgastadas páginas dos apontamentos de minhas recordações,
escritas com as tintas melancólicas da saudade, ainda, tão nitidamente grafadas
em minha faculdade da alma e, como se estivesse entrando numa máquina do tempo,
faço vir novamente à memória, àqueles dias abafados dos quais insisto em não
esquecer.
Encontrava-me
naquele dia, recostado, preguiçosamente ao muro recém-construído, onde antes
era a cerca viva do pomar de Dona Turbalina, viúva, do falecido Turbal.
Ainda meio
sonolento, pensando no que fazer, e, querendo deixar de fazê-lo, sonhando com o
futuro e querendo tê-lo no presente, filosofando comigo mesmo, descubro que o
instante é a linha demarcatória que define, exatamente, o final do passado e o
início do futuro.
Esforçando
em manter aberto, os meus olhos, diviso, logo adiante, junto à cacimbinha, ao
som do trinar de um pássaro qualquer, o revoar de um urubu, que ao sabor do
vento planava majestosamente.
Contracenando
com este espetáculo, estava trabalhando arduamente, na construção de sua
moradia, Seu Vicentin, que fazia às vezes de pedreiro, e sua mulher, Sinhá
Flor, ajudando-o a preparar o barro, sem se incomodar com o suor que lhe
escorria sobre a face, avermelhada pelo sol escaldante, daquele verão.
Vez por
outra, o pobre homem, ia até sua mulher, enxugava-lhe o rosto, oferecendo-lhe
um copo d’água fria, que ele colhera de uma quartinha que estava à sombra de um
pé de juá.
Subitamente,
não mais que de repente, algumas imagens, penetram meu pensamento sem ter
pedido permissão, é que o calor me fez cochilar, com direito também, a
espasmódico e desencontrado sonho, que popularmente chamamos de pesadelo.
Até que,
alguma coisa do inesperado acontece, troço este que, rouba de mim o devaneio, a
ponto de me assustar e, sem querer, eu deixo escapar um grito de terror.
Quando dou
por mim, percebo que uma terrível cobra, houvera passado por sobre meus pés,
esse réptil traiçoeiro e perigoso poderia ter aniquilado, num instante, de uma
vez por todas, minha vida, eu, com certeza, me mudaria para a cidade dos pés
juntos, talvez, seria até vizinho do saudoso Turbal! Que Deus o tenha
repousando, pois, prefiro viver cansado, aqui mesmo!
Nesse
ínterim, ainda tremulo, percebo que Sinhá Flor estava, ternamente, tentando me
acalmar, enquanto Seu Vicentin ia ao encalço da dita cuja.
- Acalme o
moleque, mulé, num foi nadica de nada, foi só uma muçurana ou cobra preta, a
danada não é venenosa nem agride o bicho homem, ela só ataca e matam as cobras
venenosas, suas inimigas mortais.
- Seu
Vicentin tem o hábito de ficar triturando com os dentes, grãos de milho seco.
Ele passou sua mão calejada em minha cabeça e me ensinou muito sobre as cobras.
Foi naquela
tarde que aprendi diferenciar as cobras não venenosas das venenosas.
Depois de
tudo explicado, e muito bem entendido, o bondoso casal volta à labuta, e,
tijolo após tijolo, vão desenhando, o que futuramente será sua casa, ou melhor,
seu lar de felicidade!
Em meio a
esse emaranhado: Acontecimento, sonho e informações eu pensava que não faltava
mais nada, é quando, da inutilidade, surge o desajeitado e sempre alegre, Salta
Caminho, que logo foi pedindo para eu contar “as novas” que ele contaria as
suas novidades.
Querendo me
fazer de sábio e, desenferrujando meu lado teatral, começo a representar, como
se eu tivesse a colher do meu intelecto, as preciosas informações, que agora
passo a despejar para meu amigo, tudo aquilo que momentos antes, aprendi com
Seu Vicentin.
Com aquele
jeitão de doutor sabe tudo, comecei a dizer que uma grande cobra preta houvera
passado sobre meus pés, mas não fiquei intimidado, pois, sabia que não era
venenosa!
De súbito,
Salta Caminho arregalou seus olhos negros, semelhantes a duas jabuticabas.
Olhando para
ele, comentei que não tive medo, porque a menina dos olhos da
dita cuja era circular, bem redondinha, além de que sua cabeça era chata, assim
como o nosso dedo polegar.
Ah! Também
percebi que quase se não nota onde começa a cauda porque o corpo vai se
afinando pouco a pouco.
Sem contar
que, as não venenosas são ágeis, rastejam rapidamente, mas se espantam e fogem
ligeiras ao menor ruído.
Salta
Caminho, agora com um olhar interessado, queria saber, em face dessas
informações. Como reconhecer uma cobra venenosa?
Garbosamente,
com aquela postura de superioridade, achando que era o tal, e vendo meu
amiguinho como um discípulo carente de entendimento, continuo com as
descrições.
- Sabe,
Salta Caminho, quando você se deparar com um ofídio, ou seja, uma serpente,
fique atento, para estes simples detalhes: As cobras venenosas são geralmente
lerdas, bem preguiçosas, feito você, rastejam vagarosamente, feito sua sombra.
Só atacam quando se sentem ameaçadas.
Essas cobras
vivem sempre escondidas e enrodilhadas. A menina dos olhos da
cobra venenosa é um risco atravessado, semelhante aos olhos dos chineses. A
cabeça dessas cobras tem o formato triangular, já seu corpo se afina de vez
para formar a cauda.
Nesse
momento, Seu Vicentin retira o caroço de milho de sua boca, olha no profundo
dos meus olhos, dá alguns pigarros e sorri, como se estivesse me repreendendo,
coça o alto de sua cuca e sai resmungando galhofadamente. – Menino inteligente,
eu queria ter um filho assim!
- Sem
entender muito bem o que estava acontecendo, Salta Caminho espia, bate palmas,
coça o quengo, num gesto repetitivo, faz alguns movimentos de corpo,
especialmente da cabeça e dos braços, sorri desconfiado e começa a falar.
- Eu teria
me borrado todinho! Você tem uma coragem assoberbada, em vez de Graveto, você
deveria ser, na verdade, um tronco para
manter de pé tanta intrepidez e confiança...
- Salta
Caminho, disse isso para me agradar, pois, percebeu no ar que existia alguma
coisa errada, mas, não queria me deixar constrangido.
Ele
continuou falando, com aquela forma toda peculiar, fazendo gestos, andando de
um lado para o outro, representando as pessoas envolvidas no diálogo, ele
continuou dizendo: - E, por falar em borrar eu quase me molhei todinho, de
tanto ri, com o acontecido com Gadelha, aquele vendedor, que fala bem
explicado.
Pois bem, o
rapaz foi hoje lá em casa para vender uma coleção de livros, dum tal Francisco
Marins, mamãe disse que era muito bom, com isso, Gadelha, que fala até pelos
cotovelos, começou a contar como era a vida de um vendedor ambulante, que vai de
rua em rua e de casa em casa.
Ele tem
algumas técnicas de vendas que facilitam seu dia-a-dia de vendedor.
Pela manhã,
ao sair de casa, geralmente ele informa em que rua vai trabalhar, e esclarece
que é fácil encontra-lo, com certeza está em alguma casa, no lado da sombra. É
que ele pela manhã visita todas as casas do lado da sombra, e à tarde ele
visita as casas do outro lado da rua, é que a sombra muda de lado.
Assim, ele
não é agredido pelo excesso de sol, e ainda por cima, acontecendo algum
imprevisto, fica fácil de ser localizado.
Em suas
andanças ele se depara com muitas pessoas bondosas, que além de se tornarem
amigas, ainda oferecem algum ponche com mata fome ou beira seca. Ele aprecia
muito esse tipo de hospitalidade.
Nessa semana,
em Vila Feliz, visitando uma comunidade no Morro do Quadro, ele se viu
afrontado por pessoas extremamente arredias aos vendedores, principalmente de
livros.
Gadelha acha
que algum vendedor de livro deu um grande calote naquele povo, pois, nunca
tinha visto tanta aversão com requinte de maldade!
Sempre que
ele abordava alguma pessoa, era enxotado como um cão vadio, casa após casa se
repetia a cena. Ele já estava ficando desanimado e quase desistindo, quando,
algo surpreendente aconteceu.
Ele, já meio
descrente, com a bolsa em sua mão esquerda, muito desconfiado e, sobretudo
inseguro, arrisca umas leves e inibidas ‘pancadelas’ na folha de madeira da
porta, mas, preparado, para partir em rápida retirada.
Nada, nada
acontece, ele então, aventura olhar pela brecha da porta e vê um longo corredor
escuro, ao final do mesmo, numa parte alumiada pelo sol, divisa uma sombra de
alguém estendendo algumas peças de roupas no varal.
Nesse
momento, com coragem redobrada, se sujeita a dar umas pancadas mais
fortes, percebe que a mulher enxuga as mãos no avental dependurado em seu pescoço,
olha para o vazio, sobe alguns degraus se dirigindo, em direção ao vendedor.
Sua sombra
se agiganta no corredor e, ao sair do sol, logo desaparece na escuridão. A moça
abre a porta, saúda o vendedor e, cordialmente convida-o para entrar.
Nesse
momento, Gadelha faz menção de abrir a valise quando, é interrompido pela jovem
senhora, uma moça alta e delgada, com cabelos encaracolados. Ela retruca: - Não
é aqui, venha e lhe mostrarei!
- Meio
atordoado e surpreso, sem entender mais nada, simplesmente, acompanhou-a.
Chegaram à cozinha, ambiente amplamente iluminado pela luz natural do sol.
Num lado,
junto à porta que dá para o quintal, tinha uma jarra com tampa de barro, sobre
esta, uma caneca de alumínio, no outro lado, um velho fogão a gás, ao centro,
uma mesa encoberta com uma toalha de chita, sobre esta, uma vasilha com algumas
frutas, uma lata de doce marca coqueiro e uma
quartinha!
O vendedor
olha para a mesma, ainda sem entender, quando o silêncio é interrompido pela
distinta senhora, que apontando diz: - O fogão é este!
- E qual é o
problema? Retruca o vendedor de livros.
- É que ele
está entupido! Não quer acender!
- A válvula
não está trancada? - A moça gentilmente maneia a cabeça indicando que a resposta
é negativa. O vendedor pede uma agulha, emprestado e, pacientemente desentope o
cachimbo do fogão, testa o mesmo, dá um suspiro, pega sua valise, quando
novamente a dona da casa faz ver que além do entupimento, o botão de regular
uma das bocas do fogão estava danificado.
O vendedor,
impaciente, olha para os lados, vê no batente da janela, uma tampa de
refrigerante, coloca entre seu polegar e o indicador, faz força, a ponto de
amassar a dita cuja.
Retira,
então, o botão danificado do fogão, em seu lugar coloca a tampa amassada que
faz girar normalmente o regulador do fogão, satisfeito exclama: - Agora está
tudo pronto!...
- A moça
decepcionada pergunta se vai ficar daquele jeito, ele, por sua vez, faz ver que
não tem nada com isso, ele é apenas um vendedor de Livros!...
- Você não é
o técnico em fogões? - Não!
- A moça
muda sua postura, fica afobada, ralha o vendedor, enxota-o feito um cachorro
doido!...
Ele, por sua
vez, fica da cor de burro quando foge e, desaparece no sol escaldante da
tarde...
Continuo acompanhando! bjus!
ResponderExcluirPena que não sei que você é, anônimo, para agradecer citando teu nome! De qualquer forma, espero que você tenha se deliciado com o texto! Obrigado mesmo!!!
ExcluirNovo comentário colhido no face, desta feita de Tereza Cristina Almaida!
ResponderExcluirTeresa Cristina Almeida - Ô coisa boa de ler!
Amiga Tereza Cristina, agradeço imensamente pelo teu comentário.
ExcluirO que escrevo, não passa de contos que formulo em minha mente e, compartilho, bobamente, para entreter meus leitores! Assim distribuo um pouco de distração aos meus amigos!
Novo comentário colhido no face, desta feita de minha amiga de longas datas, Kátia Sitônio Mesquita!
ResponderExcluirKatia Sitônio Mesquita - Muito bem. Parabéns. Escritor de mão cheia
Amiga Katia, estava mesmo com saudade de teus comentários, principalmente no meu blog!
ExcluirAproveito para agradecer teu belo incentivo, no entanto, não me considero um escritor, muito menos de 'mão cheia', todavia, de quando em vez, me arrisco escrever para desanuviar o tédio, e, repasso para meus amigos. Pois, quando alcançamos a melhor fase, vamos ficando invisíveis, as pessoas não nos percebem, então, enviamos nossos escritos, para anunciar que ainda existimos! Só assim, nos tornamos perceptíveis!
Resposta de Katia Sitônio, colhida no face, no Grupo Colégio Estadual de Caruaru.
ExcluirKatia Sitônio Mesquita - Glauco César Lima Silva você já brilha,não precisa de escritos para nos lembrar. Sempre os vejo,leio-os, mas as vezes não tenho tempo para parar e escrever. Estou com a vida uma loucura. Mainha doente, só tem eu pra cuidar dela. Eu ando também doente. Espero que essa fase passe logo. Mas gosto de ler seus escritos. Sucesso pra você!
Amiga Katia, eu sei bem de tua luta, sempre achei você uma autentica guerreira. Tenho certeza que Deus continua te abençoando, e que esse tempo de turbulência logo irá passar, prezo aos céus pelo restabelecimento de tua adorável mãe bem como de tua saúde. Sucesso para toda a família, amiga!
ExcluirResposta da amiga Katia, colhida no face!
ExcluirKatia Sitônio Mesquita - Glauco César Lima Silva muito obrigada beijos!
Novo comentário colhido no face, no Grupo Colégio Estadual de Caruaru, desta feita de minha colega Marizene Trajano, amiga de longos tempos, desde quando fazia o primário no Externato Santa Maria Gorete.
ResponderExcluirMarizene Trajano - Gostei
Amiga Marizene Trajano, fico feliz por ter gostado deste singelo 'causo', que mistura a realidade com a ficção, e um pouco de criatividade! Obrigado amiga!
ExcluirNovo comentário colhido no face, desta feita da leitora do Grupo do Colégio Estadual de Caruaru, Lúcia Vasconcelos.
ResponderExcluirLucia Vasconcelos - Lindo texto Glauco César Lima Silva adorei!
Amiga Lucia Vasconcelos, sou imensamente grato pelas palavras estimuladoras,fico bastante envaidecido. Em meus textos, procuro, quase sempre, incluir no contexto do mesmo, algumas informações que possam servir para o cotidiano do leitor, nesse caso, sobre serpentes! Obrigado pelo cativante comentário!
ExcluirNovo comentário colhido no face, do Grupo Colégio Estadual de Caruaru, de meu amigo Angelo Marcos!
ResponderExcluirÂngelo Marcos Arruda - Muito bom
Ângelo é muito bom receber tua aprovação, principalmente de você que é uma pessoa da área artística e literária! Obrigado pelo comentário!
ExcluirNovo comentário colhido no face, desta feita da Educadora Jeane Camargo.
ResponderExcluirJeane Camargo - Parabéns Glauco César.
Amiga Jeane, fico bastante envaidecido por ter recebido teu acolhedor comentário, fato que emociona, receber o parabéns de uma pessoa tão competente como você! Obrigado!
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