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domingo, 27 de maio de 2012

Janela do Tempo - A Taberna


A TABERNA - Educador Glauco César                                          

          - Liberdaaaade! Liberdaaade! - Grita efusiva e deslumbradamente Tonico, o filho de Marocas, ao ver seu pai empinar uma caixa voadora. – Eu também quero voar, deixe-me papai, voar!
         - Tonico era um desses pirralhos com seu jeito descontraído, desinibido e alegre que cativava a todos, por isso mesmo uma tuia de moleque estava numa gritalhada só, influenciada pelas peraltices do Tonico.
          Seu Bento, homem modesto, lábios grossos, cabelos ulótricos, olha para o menor e fica um pouco penseroso.
          Chama o pirralho para junto de si e, ensina-o a enviar mensagens para a caixa. Ele pegou um pedaço de papel escreveu uma besteira qualquer, em seguida deu um rasgão até a metade do papel, prendendo na linha. O vento fez o papel deslizar subindo pelo cordel até alcançar o objeto voador.
          Após essa demonstração, o pai do menino saracoteou a cabeça, analisa alguma coisa que só ele sabia o que era, e mais uma vez fica pensativo.
        Então, resolve enrolar a linha de algodão, que prende a caixa voadora a uma manivela de madeira, que o mesmo confeccionou no momento em que fez também a arraia, uma espécie de papagaio em forma de caixa, para presentear seu filho primogênito que, aliás, era o único que possuía.
          Por um momento se arrependeu de haver dado o presente, seu Bento, achou que a idéia não foi das melhores, pois não entendera o pedido do filho, que, simplesmente queria fazer o objeto ganhar altura e planar suavemente no espaço. 
          - Deixa, seu Bento! Deixa, seu Bento! Deixa o negrinho soltar a caixa voadora, ele só está querendo molequear! Brada desesperado um dos meninos.
         - Ta bem!
         - Exclama o bondoso pai!
        - Desde que ele tome os devidos cuidados. Isto inclui nunca soltar papagaios em local que tenha fios de alta tensão, pois, poderá provocar acidentes irreparáveis...
        - Depois de algum momento em silêncio, como se estivesse rebuscando alguma coisa nos apontamentos da mente, o nobre e amoroso pai, conclui seu pensamento: - Como o que aconteceu com um grande cientista norte-americano, Benjamim Franklin.
          Foi lá pelos idos de 1752, o mesmo, para provar que os raios das tempestades e a eletricidade são a mesma coisa, montou uma cafifa de metal, num dia chuvoso, amarrou uma chave na linha de algodão, que prendia à pipa.
        Convicto que os trovões eram um fenômeno de natureza elétrica, ele, para sua segurança, amarrou a pandorga numa árvore.
        Com as descargas elétricas dos relâmpagos, ele percebeu que a chave soltava faíscas.
        Assim, ele identificou as cargas positivas e negativas e, como resultado desse experimento, ele inventou o para-raio.
           - Salta Caminho, que estava palitando os dentes com um espinho de mandacaru, com aquele seu jeitão desengonçado, observando todo esse acontecimento, sem querer ser indiscreto, mas sendo bastante bisbilhoteiro, retruca: - Nada haver! Nadica de nada com ‘empinar papagaio’! (papagaio é o mesmo que pipa, arraia, cafifa, pandorga, raia, tapioca, etc.)
          - A molecada fez uma algazarra ensurdecedora, com gritos, urras e assovios, que se misturavam com o sibilo do vento que soprava ferozmente...
          Seu Bento, um pouco contrariado com a interferência de Salta Caminho, franze a testa, anda de um lado para o outro, dá um sonoro pigarro, ainda com as feições enrugadas, tempera sua voz, e conclui pausadamente...
          - É que após a experiência de Benjamim, outro cientista, por nome Georg Richmann, tentou reproduzir aquela prática, e foi morto por um raio, ao levantar uma vara com um arame amarrado na ponta...
          Eu não gostaria que algo semelhante acontecesse aqui!
         - Salta Caminho, de repente ficou cabisbaixo, de uma maneira que eu nunca dantes tinha visto!
         Houve um lânguido silêncio no relvado! Como o dia estava nublado e com prenúncio de chuva, pouco a pouco seu Bento foi recolhendo a linha na manivela, e a caixa voadora foi mansamente pousando triunfalmente na relva macia, que agora ganhava os primeiros pingos da neblina, um chuvisco gostoso que molha tanto quanto qualquer chuva.
      Eu, por minha vez, saí conversando com Salta Caminho que ainda estava meio encabulado e um pouco desconsertado!
          Quando chegamos à casa de Salta Caminho, já estávamos quase encharcados!
Percebemos que havia uma pequena barafunda com crianças gritando e correndo de um lado para o outro!
        O vozerio se confundia na nossa mente e não conseguíamos entender com clareza o que estava acontecendo!
         No momento em que entramos vimos Dona Alfava, mãe de Salta Caminho, juntamente com seu marido Guabeirinha, tentando colocar ordem naquela baderna toda, produzida por apenas três pirralhos!
         A zoada era tanta que Salta Caminho perdeu as estribeiras e, já quase desnorteado, ralhou impiedosamente com a gurizada! – Eita-pau!  Podem acabar com essa balbúrdia?
        - Era um corre-corre, pega-pega, empurra empurra tão danado, que os peraltinhas em suas travessuras, ou melhor, traquinagens, sequer se apercebiam do incômodo que faziam!     
         Eu já não entendia mais nada, para não ficar ainda mais acafobado procurei saber o que tinha gerado tamanha confusão, a ponto das crianças estarem correndo sem controle, uma ao encalço da outra!
          Dona Alfava começou a relatar como tudo aconteceu, desde o princípio!
         - Pois bem, logo no aurorescer do dia, Salta Caminho saiu com seu Bento e Tonico para empinar uma raia em forma de caixa.
          Antanho, resolvi fazer uma tratantada na casa, prela ficar bem arrumadinha!
        Sem detença peguei minha bassoira de piaçaba e o espanador, comecei logo a barrer o solo e o assoalho, ao tempo que ia espanejando a mobília!
        Neste comenos, aparece dona Graziela e pede para deixar seus três pirralhos aqui, enquanto iria fazer a feira. No que concordei!
        De início os moleques ficaram um pouco melindrosos, como se estivessem com afetação de doença!
       Mais não demorou nada não, eles, embaraçados, foram aprochegando-se, abeirando-se, chegaram num canto da sala e, logo se acomodaram e se alojaram!
           Momento em que Guilda, a mais velha das crianças, teve uma idéia e disse: - Aqui é minha taberna, vendo de tudo, farinha, feijão, pirulito, tapioca, beiju, bolo de goma e, muito mais!
         - Bituca a menorzinha, ficou como ajudante de sua irmã na bodega! Coube ao irmão Dindinho fazer o papel do freguês!
        Pelo visto, ele, na verdade, queria ser, preferentemente, o dono da venda, e não o comprador!
          De mais a mais, aceitou seu encargo e, acho que se saiu bem, até demais!
         Ele, então, andando com trejeito, de uma forma amalandrada, portando em sua mão dinheiro imaginário, chega à bancada ilusória da suposta taberna, maneia a cabeça de cima para baixo como se estivesse procurando alguma coisa que comprar...
         E, de dedo em riste, aponta para um canto no vazio, escolhe um local, capricho da imaginação, pede um pirulito, que no seu ilusionismo divisava!
         Então brada, com pose de comprador exigente! – Eu quero aquele pirulito, aquele que ta bem encarnadinho!
          - Nesse momento ele desfilava com certo ar de deboche! Fato, que imediatamente, gerou uma ciumeira em sua irmã Guilda, que sem detença, respondeu com desprezo e de forma arrogante! – Pois, saiba que pra você, ele custa um real e vinte e sete centavos!
         - Ela disse isso imaginando que o indesejado comprador, desistisse de adquirir o bom-bocado.
           No entanto, ele não se intimidou com a resposta descabida da dona do boteco, que, na verdade, era sua irmã!
       Enquanto isso, no outro lado do suposto balcão, Bituca, como que bestificada, arregalava cada vez mais seus olhos, que aboticados cintilavam, refletindo o azul de seu olhar!
       No entanto, ela não via a mercadoria, nem muito menos o imaginário dinheiro! Contudo, Bituca, se saiu muito bem, agindo como se tudo estivesse ali em suas mãos! 
         De presto, o cliente, manifestando intencional ironia, por meio de risos e gestos, procura levar ao ridículo a vendedora/proprietária, e, com desdém retruca: - Que seja! Aqui está o dinheiro, pois saiba que mufunfa só serve pra gastar e passar troco! E, vá logo passando o meu, pois, pra mim, tutu não é problema, é solução!
           - À vista disso, Guilda entendendo que estava servindo de chacota, imediatamente manda que Bituca entregue ao cliente a cobiçada guloseima.
          Enquanto isso, ela mesma, procura dá o troco, bem contadinho, entrega na mão do cliente e diz: - Ta aqui sua merreca, seu miserável, pois, saiba que, por causa de sua mangação, você não compra mais nessa genringonça!
           - Dindinho, agindo como um patife, procura menosprezar, ainda mais, Guilda. Pega o hipotético troco e, guarda no bolso.
           Querendo levar sua irmã ao ridículo e ao mesmo tempo expor ao desdém, faz mais uma caçoada. Tira cuidadosamente o papel do fictício pirulito, deixa-o cair no chão, que eu mesma (Alfava), acabara de limpar.
           E, de forma magistral, começa a lamber o ilusório bom-bom, fazendo zombaria: - Eita, como ta gostoso! Só tinha esse e não dou pra ninguém!
           - Esse seu ato, fez com que Guilda e Bituca, babassem de desejo e inveja.
           Entrementes, Guilda agiu de prestes, em seu devaneio, foi até sua taberna, fez de conta que abriu uma gaveta, onde guardava o dinheiro, pega o valor do pirulito e, procura devolver para Dindinho, para que, em troca, ela ficasse com a saborosa guloseima, e assim, pudesse deixá-lo com água na boca!
       Contudo, seu irmão, muito tratante e covarde, não aceita a proposta e, com chacoteação, fere muito mais, os sentimentos de Guilda e Bituca! Começando assim toda essa bandalheira!
            Já fizemos de tudo, e não conseguimos apaziguar essa irreverente gurizada!
           - Sem mais nem menos, surge Salta Caminho em meio do nada e, como se tivesse contaminado por aquela visagem, vai ao encalço de Guilda e rouba-lhe a fictícia grana, em seguida, sem pestanejar, de súbito suas mãos, de forma firme, se apoderam do cobiçado pirulito!
            Repentinamente faz-se um mórbido silêncio!
           É que, não tendo mais o objeto de disputa, a gurizada se acalma, sentam no batente da porta e, aguardam pacientemente pela sua mãe!       

      













5 comentários:

  1. Adorei a taberna! Bem que ele podia dividir o fictício pirulito... acho que por isso desisti de vender!

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  2. É muito bom receber teus comentários! Beijo, filhota!!

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  3. Simplesmente genial!! absurdamente genial! gosto muito dos seus contos, pai. e essa passagem é um clássico de nossa infância.. até hoje melissa quer o bombom que comprei hahhhah lembro tb da caixa voadora.. lembro de vc e tio glauciano (eu acho) fazendo-as voar no quintal lá de casa.. memória bem antiga, eu era muito pequeno..
    beijos pai!!

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    1. O sucesso não é meu, é de vocês três, MELADINHO, que vivenciaram esta história! Apenas eu anonimizei os personagens para não provocar uma ciumeira num dos três!!!

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  4. que bom esse espaço pai, esse blog.. antes vc só escrevia e mostrava para os amigos.. agora pode quem quiser ver de qualquer parte do mundo :) aos poucos mais e mais gente verá sua obra:)

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