A TABERNA - Educador Glauco César
- Liberdaaaade!
Liberdaaade! - Grita efusiva e deslumbradamente Tonico, o filho de Marocas, ao
ver seu pai empinar uma caixa voadora. – Eu também quero voar, deixe-me papai,
voar!
- Tonico
era um desses pirralhos com seu jeito descontraído, desinibido e alegre que
cativava a todos, por isso mesmo uma tuia de moleque estava numa gritalhada só,
influenciada pelas peraltices do Tonico.
Seu
Bento, homem modesto, lábios grossos, cabelos ulótricos, olha para o menor e
fica um pouco penseroso.
Chama o
pirralho para junto de si e, ensina-o a enviar mensagens para a caixa. Ele
pegou um pedaço de papel escreveu uma besteira qualquer, em seguida deu um
rasgão até a metade do papel, prendendo na linha. O vento fez o papel deslizar
subindo pelo cordel até alcançar o objeto voador.
Após essa
demonstração, o pai do menino saracoteou a cabeça, analisa alguma coisa que só
ele sabia o que era, e mais uma vez fica pensativo.
Então,
resolve enrolar a linha de algodão, que prende a caixa voadora a uma manivela
de madeira, que o mesmo confeccionou no momento em que fez também a arraia, uma
espécie de papagaio em forma de caixa, para presentear seu filho primogênito
que, aliás, era o único que possuía.
Por um
momento se arrependeu de haver dado o presente, seu Bento, achou que a idéia
não foi das melhores, pois não entendera o pedido do filho, que, simplesmente
queria fazer o objeto ganhar altura e planar suavemente no espaço.
- Deixa,
seu Bento! Deixa, seu Bento! Deixa o negrinho soltar a caixa voadora, ele só
está querendo molequear! Brada desesperado um dos meninos.
- Ta bem!
- Exclama o bondoso pai!
- Desde que ele tome os devidos cuidados. Isto inclui nunca soltar papagaios em local que tenha fios de alta tensão, pois, poderá provocar acidentes irreparáveis...
- Exclama o bondoso pai!
- Desde que ele tome os devidos cuidados. Isto inclui nunca soltar papagaios em local que tenha fios de alta tensão, pois, poderá provocar acidentes irreparáveis...
- Depois
de algum momento em silêncio, como se estivesse rebuscando alguma coisa nos
apontamentos da mente, o nobre e amoroso pai, conclui seu pensamento: - Como o
que aconteceu com um grande cientista norte-americano, Benjamim Franklin.
Foi lá
pelos idos de 1752, o mesmo, para provar que os raios das tempestades e a
eletricidade são a mesma coisa, montou uma cafifa de metal, num dia chuvoso, amarrou
uma chave na linha de algodão, que prendia à pipa.
Convicto
que os trovões eram um fenômeno de natureza elétrica, ele, para sua segurança,
amarrou a pandorga numa árvore.
Com as
descargas elétricas dos relâmpagos, ele percebeu que a chave soltava faíscas.
Assim,
ele identificou as cargas positivas e negativas e, como resultado desse
experimento, ele inventou o para-raio.
- Salta
Caminho, que estava palitando os dentes com um espinho de mandacaru, com aquele
seu jeitão desengonçado, observando todo esse acontecimento, sem querer ser
indiscreto, mas sendo bastante bisbilhoteiro, retruca: - Nada haver! Nadica de
nada com ‘empinar papagaio’! (papagaio é o mesmo que pipa, arraia, cafifa,
pandorga, raia, tapioca, etc.)
- A
molecada fez uma algazarra ensurdecedora, com gritos, urras e assovios, que se
misturavam com o sibilo do vento que soprava ferozmente...
Seu
Bento, um pouco contrariado com a interferência de Salta Caminho, franze a
testa, anda de um lado para o outro, dá um sonoro pigarro, ainda com as feições
enrugadas, tempera sua voz, e conclui pausadamente...
- É que
após a experiência de Benjamim, outro cientista, por nome Georg Richmann,
tentou reproduzir aquela prática, e foi morto por um raio, ao levantar uma vara
com um arame amarrado na ponta...
Eu não
gostaria que algo semelhante acontecesse aqui!
- Salta Caminho,
de repente ficou cabisbaixo, de uma maneira que eu nunca dantes tinha visto!
Houve um
lânguido silêncio no relvado! Como o dia estava nublado e com prenúncio de
chuva, pouco a pouco seu Bento foi recolhendo a linha na manivela, e a caixa
voadora foi mansamente pousando triunfalmente na relva macia, que agora ganhava
os primeiros pingos da neblina, um chuvisco gostoso que molha tanto quanto
qualquer chuva.
Eu, por
minha vez, saí conversando com Salta Caminho que ainda estava meio encabulado e
um pouco desconsertado!
Quando
chegamos à casa de Salta Caminho, já estávamos quase encharcados!
Percebemos
que havia uma pequena barafunda com crianças gritando e correndo de um lado
para o outro!
O vozerio
se confundia na nossa mente e não conseguíamos entender com clareza o que
estava acontecendo!
No
momento em que entramos vimos Dona Alfava, mãe de Salta Caminho, juntamente com
seu marido Guabeirinha, tentando colocar ordem naquela baderna toda, produzida
por apenas três pirralhos!
A zoada
era tanta que Salta Caminho perdeu as estribeiras e, já quase desnorteado,
ralhou impiedosamente com a gurizada! – Eita-pau! Podem acabar com essa balbúrdia?
- Era um corre-corre,
pega-pega, empurra empurra tão danado, que os peraltinhas em suas travessuras,
ou melhor, traquinagens, sequer se apercebiam do incômodo que faziam!
Eu já não
entendia mais nada, para não ficar ainda mais acafobado procurei saber o que
tinha gerado tamanha confusão, a ponto das crianças estarem correndo sem
controle, uma ao encalço da outra!
Dona
Alfava começou a relatar como tudo aconteceu, desde o princípio!
- Pois
bem, logo no aurorescer do dia, Salta Caminho saiu com seu Bento e Tonico para
empinar uma raia em forma de caixa.
Antanho,
resolvi fazer uma tratantada na casa, prela ficar bem arrumadinha!
Sem detença peguei minha bassoira de piaçaba
e o espanador, comecei logo a barrer o solo e o assoalho, ao tempo que ia espanejando
a mobília!
Neste
comenos, aparece dona Graziela e pede para deixar seus três pirralhos aqui,
enquanto iria fazer a feira. No que concordei!
De início
os moleques ficaram um pouco melindrosos, como se estivessem com afetação de
doença!
Mais não
demorou nada não, eles, embaraçados, foram aprochegando-se, abeirando-se,
chegaram num canto da sala e, logo se acomodaram e se alojaram!
Momento
em que Guilda, a mais velha das crianças, teve uma idéia e disse: - Aqui é
minha taberna, vendo de tudo, farinha, feijão, pirulito, tapioca, beiju, bolo
de goma e, muito mais!
- Bituca
a menorzinha, ficou como ajudante de sua irmã na bodega! Coube ao irmão Dindinho
fazer o papel do freguês!
Pelo visto,
ele, na verdade, queria ser, preferentemente, o dono da venda, e não o
comprador!
De mais a
mais, aceitou seu encargo e, acho que se saiu bem, até demais!
Ele,
então, andando com trejeito, de uma forma amalandrada,
portando em sua mão dinheiro imaginário, chega à bancada ilusória da suposta
taberna, maneia a cabeça de cima para baixo como se estivesse procurando alguma
coisa que comprar...
E, de
dedo em riste, aponta para um canto no vazio, escolhe um local, capricho da
imaginação, pede um pirulito, que no seu ilusionismo divisava!
Então
brada, com pose de comprador exigente! – Eu quero aquele pirulito, aquele que
ta bem encarnadinho!
- Nesse momento
ele desfilava com certo ar de deboche! Fato, que imediatamente, gerou uma
ciumeira em sua irmã Guilda, que sem detença, respondeu com desprezo e de forma
arrogante! – Pois, saiba que pra você, ele custa um real e vinte e sete
centavos!
- Ela
disse isso imaginando que o indesejado comprador, desistisse de adquirir o
bom-bocado.
No
entanto, ele não se intimidou com a resposta descabida da dona do boteco, que,
na verdade, era sua irmã!
Enquanto
isso, no outro lado do suposto balcão, Bituca, como que bestificada, arregalava
cada vez mais seus olhos, que aboticados cintilavam, refletindo o azul de seu
olhar!
No entanto,
ela não via a mercadoria, nem muito menos o imaginário dinheiro! Contudo,
Bituca, se saiu muito bem, agindo como se tudo estivesse ali em suas mãos!
De
presto, o cliente, manifestando intencional ironia, por meio de risos e gestos,
procura levar ao ridículo a vendedora/proprietária, e, com desdém retruca: -
Que seja! Aqui está o dinheiro, pois saiba que mufunfa só serve pra gastar e
passar troco! E, vá logo passando o meu, pois, pra mim, tutu não é problema, é
solução!
- À vista
disso, Guilda entendendo que estava servindo de chacota, imediatamente manda
que Bituca entregue ao cliente a cobiçada guloseima.
Enquanto
isso, ela mesma, procura dá o troco, bem contadinho, entrega na mão do cliente
e diz: - Ta aqui sua merreca, seu miserável, pois, saiba que, por causa de sua
mangação, você não compra mais nessa genringonça!
- Dindinho,
agindo como um patife, procura menosprezar, ainda mais, Guilda. Pega o
hipotético troco e, guarda no bolso.
Querendo
levar sua irmã ao ridículo e ao mesmo tempo expor ao desdém, faz mais uma
caçoada. Tira cuidadosamente o papel do fictício pirulito, deixa-o cair no
chão, que eu mesma (Alfava), acabara de limpar.
E, de
forma magistral, começa a lamber o ilusório bom-bom, fazendo zombaria: - Eita,
como ta gostoso! Só tinha esse e não dou pra ninguém!
- Esse seu
ato, fez com que Guilda e Bituca, babassem de desejo e inveja.
Entrementes,
Guilda agiu de prestes, em seu devaneio, foi até sua taberna, fez de conta que
abriu uma gaveta, onde guardava o dinheiro, pega o valor do pirulito e, procura
devolver para Dindinho, para que, em troca, ela ficasse com a saborosa
guloseima, e assim, pudesse deixá-lo com água na boca!
Contudo,
seu irmão, muito tratante e covarde, não aceita a proposta e, com chacoteação,
fere muito mais, os sentimentos de Guilda e Bituca! Começando assim toda essa
bandalheira!
Já
fizemos de tudo, e não conseguimos apaziguar essa irreverente gurizada!
- Sem mais
nem menos, surge Salta Caminho em meio do nada e, como se tivesse contaminado
por aquela visagem, vai ao encalço de Guilda e rouba-lhe a fictícia grana, em
seguida, sem pestanejar, de súbito suas mãos, de forma firme, se apoderam do
cobiçado pirulito!
Repentinamente
faz-se um mórbido silêncio!
É que,
não tendo mais o objeto de disputa, a gurizada se acalma, sentam no batente da
porta e, aguardam pacientemente pela sua mãe!