RELEMBRANÇA...
QUÃO DOCE RECORDAÇÃO!
Aqui, na tranquilidade de minha casa, desfrutando do movimento oscilatório de minha rede, uma espécie de leito balouçante, feito de tecido resistente de algodão e pendentes pelas extremidades terminadas em punhos, presos em ganchos, colocados em duas árvores, um abacateiro e uma goiabeira, que plantei, faz muito tempo, em meu jardim, tento afugentar o enfado que causa em mim um enorme tédio!
De quando em vez, uma rajada forte de vento que joga para longe a sensação de abafo e calor, trazendo, na volta do balouço, uma tristeza que aperta o coração...
Tento reclamar com alguém
para poder desanuviar essa emoção, mas, percebo que não tenho nenhuma
companhia, a não ser o trato íntimo que trago em minhas lembranças!
Então, quebro o silêncio
da tarde e começo a dialogar com minhas recordações!
Vejo, não muito longe,
algumas crianças comentando, no outro lado do muro, que eu tinha enlouquecido,
pois, elas não entendiam que a solidão é capaz de fazer a pessoa conversar
consigo mesma, sem, no entanto, ter perdido o uso da razão!
Eu estava apenas fantasiando, dando margem aos
caprichos da imaginação!
Ao entregar-me à fantasia
e devaneios, pouco a pouco minha mente sintonizava na linha do tempo, quando,
na adolescência, juntamente com Salta Caminho, regressamos para a cidade, por
haver terminado o período de férias.
Fizemos o trajeto numa
agradável caminhada, seguindo a estrada de ferro, encontramos no percurso
alguns moradores em carro-de-bois, outros em mulas, tomamos um susto quando a
maria-fumaça, fumegante deu um sonoro apito, e, passou comendo terra,
levantando poeira, e, de forma irada cuspia uma solução coloidal de uma fase
dispersa sólida numa dispersora gasosa!
A grande porção de fumo
jogada pela locomotiva, rapidamente desvanecia, só não se evapora as
recordações, em minha mente, dos acontecimentos ocorridos nas semanas
seguintes!
Naquela tarde chegamos
moídos! O cansaço era maior que uma simples fadiga, era como se estivéssemos
exaustos de ser criança! Me despedi de Salta Caminho e fui para o casarão onde
morávamos!
Eu já estava ansioso para
que o próximo dia chegasse, é que começaria o segundo semestre escolar.
Naquela noite, apesar do
cansaço, quase não consegui dormir, o dia fora abrasador, por isso a cama
permanecia quente, não me lembro a que hora dormi, acho que fui vencido pela
fadiga...
A temperatura que me
embalou fazendo-me dormir foi a mesma que me despertou! Eu me sentia com a
sensação de não ter pregado o olho,
por isso, quando Salta Caminho chegou me apressando para ir ao Ginásio, eu
ainda estava meio sonolento. Assim, quase maquinalmente peguei os livros,
cadernos, lápis, borracha e todo material necessário e, parti com meu
amiguinho, rumo ao saber!
- Graveto, o que você está
levando para a merenda? Eu estou levando um sanduíche de queijo de coalho! -
Comentou meu amiguinho!
Eu, por minha vez, peguei
na geladeira uma banana anã, prefiro essa que a prata, é muito saborosa e tem
um cheiro que me deixa com água na boca!
Aquele dia foi muito bom,
me traz boas recordações!
Alguma coisa diferente
estava acontecendo comigo, relutei em contar para Salta Caminho.
Eu não poderia mais me
conter, é que de uma hora para a outra as meninas estavam subindo em meu
conceito!
- Salta Caminho, você viu
a trança de Mariazinha?
- Por acaso sou cego?
Claro que vi!
- Eu não tinha percebido
nas ferrugens do rosto de Rosinha! - Comentei!
- Pois se prepare, de hoje
em diante você vai querer ficar mais com as fulustrecas
que mesmo comigo!
- Por mais que me agrade
os trejeitos das dondocas, nunca você
deixará de ser meu melhor amigo!
- Sei não! – Comentou
Salta Caminho!
Os dias foram passando
rápido como o trem nos trilhos! Até que um dia a locomotiva parou numa estação
que eu ainda não conhecia, a Estação dos
Sentimentos!
Essa foi uma das
experiências mais confortadora que senti em toda minha vida, aconteceu
exatamente no aurorescer da minha adolescência, quando começaram a fluir
sentimentos que eu não sabia expressar em palavras.
Já são decorridas algumas
décadas, no entanto, quando rebusco na sede das minhas recordações, sinto
fervilhar a mesma disposição afetiva em relação àquela emoção, que na verdade
era um misto de apego e melancolia, num sentimento estranho, que até então, a
mim era desconhecido! Incomodava, mas era gostoso de sentir.
Eu
não sabia o porquê, mas aquele estado de ânimo provocava uma reação intensa e
breve em meu organismo.
Era algo totalmente
inesperado que vinha acompanhado dum estado de afeiçoamento dedicado que, ainda
latente e reprimido, transformava-se em angustia afetiva com conotação, que eu
não sabia definir, se penosa ou agradável!?
Aquele sentimento estranho
era o desabrochar do amor no coração adolescente e ingênuo, que acumulava
apenas quinze anos de idade!
Só sei que tudo isto ficou
gravado, para sempre, no meu entendimento!
Como aconteceu? Lembro-me
perfeitamente!
Eu era um adolescente
preocupado com meu futuro, por isso mesmo, me dedicava aos estudos!
No casarão em que
morávamos, havia no quintal um banheiro, uma escola de dactilografia, mais três
quartos. Todos os ambientes nomeados, para identificá-los.
O sanitário, era a casa de Zezinho, a escola era o Instituto Presidente Vargas, já o quarto
menor era denominado de sapateira, os
outros dois, um era o quarto da empregada
e o outro era identificado como o quarto
de estudos.
Foi justamente no quarto
de estudos, que tudo iniciou! Eu estava no quadro-negro estudando com alguns
colegas de classe, quando de repente, chega Grassenta, uma amiguinha que morava
ao lado, pessoa muito dada, sempre cultivando um belo sorriso, que harmonizava
com seu olhar de lume castanho, externando uma expressão de doçura, que
realçava sua postura gordota e, sem toscanejar me pergunta: - Graveto, você tem
namorada no colégio? Pois, na rua em que moramos eu sei, você não tem!
- Para não me revelar um
tagarela, apenas maneei a cabeça, indicando que não! Ela, então, servindo de
intermediária, demonstrando toda sua capacidade de alcovitagem, me faz ver, que
certa fulaninha, que morava na mesma rua, estava interessada por mim!
Dei de ombros, como se a seta do cupido me
não tivesse atingido! Percebendo minha reação, a tal alcoviteira, como se não
tivesse atingido o alvo, dá um sumiço do quarto
de estudos!
Ao me despedir dos
colegas, fui levá-los até ao portão. Salta Caminho, percebendo a minha
resistência psicológica e íntima àquele sentimento, que para mim era novo e
desconhecido, segue com os colegas e, me deixa sozinho, parafuseando meus
pensamentos a ponto de quase me matusquelar.
O dia estava cálido. O sol
ardente fez com que eu fosse até a amoreira e degustasse algumas amoras,
levantei um pouco a vista e fiquei tentado a subir no pé de siriguela, um fruto
avermelhado e sumarento, semelhante ao taperebá ou cajá, porém, muito
adocicado.
Estando ali, sentado num
galho dessa imponente árvore, me deliciando com a suave brisa, que, de quando
em vez me refrescava!
Foi quando uma rajada
quente de vento balouçou os galhos, que quase me desequilibra, momento em que
tive uma visão que jamais me esquecerei.
Vi, com esses olhos que a
terra haverá de comer, pedalando em sua bicicleta, passeando em minha calçada,
aquela menina, que nutria sentimentos por mim.
Ela parou em seu trajeto,
olhou para cima, deu um sorriso desconfiado, um tanto inibido e quase brejeiro,
então, montou em sua bicicleta e voltou para sua casa!
Aquele sorriso,
desprendido por aqueles belos lábios, úmidos e entreabertos, que nada
pronunciaram, até hoje, falam aos meus sentimentos!
Bons tempos, aqueles!
Foi ali, naquela árvore,
que o deus alado do amor, com os seus olhos vendados e, munido de arco, flecha
e aljava, me atinge certeiramente, com a sete flamejante do sentimento ardente
da paixão!
Foi o bastante, para que
caísse a ficha do amor!
Desci rapidamente da
árvore, olhei para um lado e para o outro, fiquei desconfiado, com uma ânsia
insaciável de abocar qualquer coisa, comi várias siriguelas e um punhado de
amoras que, algumas caíram de minha boca, manchando minha camisa branca.
Meus olhos corriam em
direção a casa daquela menina, quase saindo da órbita ocular! Algo estranho
estava acontecendo comigo, e eu não sabia me conter!
Um canto de alegria e
regozijo desprende dos meus lábios, como se nascesse, naquele instante, a
cantata e, ressuscitasse a antífona, em louvor ao sentimento maior!
Em seguida, com as rédeas
do pensamento, soltas, como que bailando, ao som mental da melodia dos
apaixonados, criei a figura majestosa de minha musa, como uma deusa, com as
feições daquela menina, que me inspirava e fazia sonhar acordado!
Surge um problema, que
pouco a pouco ia minando minha confiança e, gradualmente eu via minha
autoestima se arquejando e, sem que eu pudesse deter, foi lentamente me
abatendo.
Contudo, cada vez que eu
via aquele sorriso, ele redobrava meus sentimentos, que não permitia que eu
esmorecesse e nem expirasse aquela afeição!
Uma coisa era certa, eu
poderia ter todas as virtudes, mas, decisivamente me faltava a que eu mais
necessitava, ser um bom galanteador!
Fiz de tudo para revelar
àquela menina os meus sentimentos, contudo, a língua me ficava pesada, a ponto
de não saber dizer... Amo-te!
O tempo foi passando e,
cada vez a situação ficava mais incômoda para mim. Foi quando, certo dia eu
decidi que, daquela noite não passaria! Era tudo ou nada, satisfação ou
desilusão!
Como todas as noites,
brincávamos na rua de nossa casa, imaginei que na brincadeira, eu teria
oportunidade de conversar com aquela menina!
Não pedi ajuda para
ninguém, sequer falei para Salta Caminho sobre a minha situação, uma vez que
não sabia se meu amiguinho me auxiliaria ou caçoaria de mim!
Para quebrar o gelo,
comprei um saco de pipocas, para assim começar a conversa, no momento oportuno,
com a pretendida...
Naquele dia, parecia que
as horas estavam emperradas, o dia caminhava preguiçoso e morosamente, a ponto
de querer empurrar o sol e tentar puxar a lua, para a noite chegar mais
rápida, tamanha era a minha expectativa!
Até que, finalmente, chega a
tão esperada noite!
Na janta, não consegui
tomar sequer uma vitamina! Minha mãe ralhou comigo, em tom de admoestação,
procurando entender o que se passava!
Senti um grande aperto no
meu coração, levantei-me apressadamente, corri para a calçada, e fiquei
pacientemente olhando em direção da casa daquela menina, esperando pela visagem do amor!
Chegaram alguns amigos e
falaram comigo. Salta Caminho percebeu que meus olhos estavam hipnotizados em
direção ao infinito, como que imaginando receber o sim, de quem tanto eu amava!
Naquela noite, a
brincadeira era para não deixar a bola de vôlei cair. Quem deixasse cair,
sairia da roda!
Não sei se
propositadamente, aquela menina deixou a bola cair. Eu vi nesse fato, a
oportunidade de que eu tanto aguardava.
Providenciei, de forma
intencional, meu erro, para assim, sair da roda, então corri e peguei o saco de
pipocas, que eu houvera deixado dentro de um carro velho e antigo, que
chamávamos de pacar. Sentei-me ao
lado daquela menina, no meio-fio e, comecei, então, a colocar em prática o meu
plano!
Com extrema ansiedade abri
o saco de pipocas, peguei uma pipoca e levei em direção aos lábios daquela menina!
Imaginei dizer tudo que eu
houvera ensaiado, horas a fio, para ouvir dela o aceito!
No entanto, só consegui
dizer: - É, não é? – Ela então me respondeu: - É!
- Por minha vez, eu
retruquei: - Pois é!
- E não consegui dizer
mais nada! Daí pra frente, não conseguimos mais dialogar! Ela comeu todas as
pipocas, ao passo que eu ficava cabisbaixo!
A primeira rodada da
brincadeira havia acabado, por conseguinte voltamos a participar da roda!
Assim que a bola chegou às
minhas mãos, rapidamente e sem refletir, joguei-a em direção dela, que sem
pestanejar e com rapidez impulsionou-a para mim.
Dessa maneira a bola ficou
viajando, num movimento de ida e volta, num mesmo percurso, de mim para ela, e
dela para mim!
Todos os nossos
companheiros nos olhavam e não diziam nada!
Até que, um determinado
senhor, que por ali passava, observando e entendendo o que estava acontecendo
e, percebendo toda a minha dificuldade, toma uma decisão, que para mim, naquele
momento, era drástica, mas muito bem vinda e aguardada!
Ele se meteu no meio
daquele jogo, segurou aquela bola, olhou fixamente para a mesma e disse: - Esta
bola é o meu coração, e irei entregar à pessoa que mais amo!
- Em seguida, ele colocou
a bola em minhas mãos e disse-me: - Toma, entrega para ela!
- Fiz, exatamente, o que
aquele senhor mandou! Podem ter certeza, aquele foi o mais feliz e emocionante
instante de minha vida, que até hoje guardo como lembrança inalterável nas
minhas reminiscências!
Na manhã seguinte, procurei
saber de Salta Caminho quem era aquele distinto senhor que me ajudara em minhas
limitações, e que de maneira tão singela colocou as palavras certas, no momento
exato, nos meus lábios, me deixando leve como as plumas, para alçar o vôo dos
sentimentos nobres!
Salta Caminho, o melhor de
meus amigos, me respondeu que não tinha conhecimento, só que senti em sua voz uma
maneira um tanto ríspida! Será que perdi meu amiguinho de tão longo tempo?
O certo é que
gradativamente ele foi se afastando, até que, num certo dia, quando regressava do Ginásio, perto de minha casa, avisto Salta Caminho correndo desembestado em direção a minha
pessoa e, ofegante me segreda: - Graveto você se lembra de Rosinha? Pois bem,
hoje, durante o recreio, tivemos uma conversa séria, e, aconteceu...
- Eu sei, você também foi
fisgado pela seta do cupido, o flecheiro, não é verdade?
- Ele sorriu, e como
estava apressado para levar Rosinha para degustar um sorvete, se despediu e
disse: - Depois a gente conversa, amigo...