Oferto esta publicação, em primeira instância à criança que habita em mim.
Apesar do meu crescimento físico, ou até mesmo intelectual ela insiste em permanecer comigo.
Em vindo à maturidade pouco a pouco ela foi coordenando meus pensamentos, direcionando minha visão, demonstrando que mesmo adulto necessitava de aventuras, sejam reais ou, até mesmo e, principalmente imaginárias.
Ensina-me o princípio de herdar o reino superior, descrito pelo Princípio dos Princípios, no caso a Divindade.
Essa criança arraigada no meu eu, entrelaçada no mais profundo de meu ser que sublima através dos meus poros, contou-me que o caminho mais curto para alcançar a felicidade não é a exercitação de tornar-se criança, mas, permanecer criança em todos os momentos de nossa existência.
Certa noite, ela segredou-me que é pelo olhar das crianças que existe em nós, que enxergamos o mundo com a ótica de Deus.
Essa criança que insiste em permanecer comigo, é aquela mesma Divindade que nasce a cada manhã, como criança intensamente aguardada, na manjedoura do coração de toda humanidade.
Em segundo plano, devoto às crianças que ainda existem em cada ser humano, apesar da malsinação que a vida nos apresenta.
A GALINHA E O OVO
Educador Glauco César
Domingo, dia nublado e enuviado pela neblina costumeira daquelas manhãs de Sant’Ana.
O sol, como que envergonhado, insistia em esconder-se por detrás das nuvens nômades que caminhavam na ânsia de fugir do sol-das-almas, mas preguiçosas quase não permitiam que o arrebol da manhã beijasse a terra que apesar de úmida do orvalho, não refletia a minha sombra.
Meu corpo sonolento encontrava-se semidesperto, os cabelos em desalinho, mas esvoaçantes, ondulavam-se ao sabor da rajada quase frequente de uma gostosa friagem que congelava até meus poucos e arrastados pensamentos.
Vejo-me calçado de um tosco tamanco de madeira, calça curta, camisa aberta ao peito, por não ter os botões.
Minha camisa desbotada mal envolvia meu magro e esguio corpo.
Insisto em ficar tentando assobiar uma canção, que eu não sabia muito bem da melodia e remendava complementando com uma letra sem nexo, mas com muito aba-da-bá, aba-da-du, e não sei que mais lá.
Pernas compridas, joelhos salientes... De quando em vez sinto-me tentado a competir com as cabritas, e preguiçosamente arrisco um salto, que sai descompassado.
De sobressalto, ouço alguém me chamar.
– Graveto!
- E complementa, você é tão magro que nem produz sombras... Sem toscanejar retruco;- O sol ainda não despertou, por isso, não autorizou a vinda da luz para clarear a terra e, com certeza a sombra ainda está inerte nos braços do Morfeu, mesmo assim não preciso de réstia, pois existe essa sombra escura a amolar-me... Seu negro bobo!
- E complementa, você é tão magro que nem produz sombras... Sem toscanejar retruco;- O sol ainda não despertou, por isso, não autorizou a vinda da luz para clarear a terra e, com certeza a sombra ainda está inerte nos braços do Morfeu, mesmo assim não preciso de réstia, pois existe essa sombra escura a amolar-me... Seu negro bobo!
- Sei não. Replicava Salta Caminho, meu companheiro de arruaças, como quem não querendo entender...
- Justo aí, o sol dá o ar de sua graça, projetando à nossa frente duas sombras que caminhavam juntas a nós.
Salta Caminho, de supetão, exclama: - Veja, o sol já se espreguiçou, arrastou da rede nossas sombras, que preguiçosamente caminham deitadas no chão. Observe que elas são pardas como a minha pele.
- Pensei, calei, matutei e não arrisquei dizer mais nada.
Caminhamos calados, mas descontraídos; vez por outra, chutávamos uns pedregulhos, chamávamos o vento com um assobio longo e saudoso que quebrava o ruído do ritmo dos nossos passos. Então o vento sibilava nos nossos ouvidos. Escutávamos também o bisbilho de alguns insetos acompanhados pelo trinar de um solitário rouxinol-do-campo.
Uma cobra serpenteava na nossa frente parecendo às curvas do riacho que trazia o céu para junto da terra.
Olhamos nossas réstias que desapareceram quando ricocheteei uma pedra na lâmina da água.
- OBA!... Oba! Respondia o eco.
- QUEM ESTÁ AÍ? Quem está aí?
- SOU EU! Sou eu!
- Sabe Graveto? Mamãe diz que o eco é a voz da nossa sombra, o falar da nossa alma!...
Seguimos nossa jornada. Mais adiante, no entanto...
– Bom dia! Fêssora! Falamos gozosamente, cadê comadre fulô? Seu vigário mandô as bênçãos prô curumim!
Dona Vertúria, nunca se casou, esperando não sei lá o quê...
- Há, há, há. Sorrimos galhofada e zombeteiramente.
Acabamos de chegar ao nosso destino, tapera de alguém muito especial que aprendi a admirar. A porteira rouquejando ringiu, êêêiieenn, êêêiieenn, plach.
- Bom dia meninos pode mamá nas tetas de Ximbica, é bom e forte, em seguida façam o asseio e dê de cumê pros bichin. Depois pode ir brincá com a ‘Galinha e o Ovo’. - Falou a preta Chica, ama seca, e mãe de leite de Salta Caminho.
- Brincar com a galinha e o ovo? Não é perigoso, Salta Caminho?
- Não, Graveto. Venha e lhe mostrarei.
- Seguimos as margens do riacho, que pouco a pouco ia se definhando até ficar apenas um fiozinho de água. No entanto, o terreno na proximidade era encharcado.
Quando pisávamos, nossos pés ficavam encobertos pela água. Havia plantas nativas, árvores altas, alguns arbustos. Local onde algumas aves cantavam, revoavam e se dessedentavam na fina camada da pura e saborosa água.
- Graveto, água não tem sabor! Mas é muito gostosa, algumas pessoas querendo ser inteligentes, dizem que a água é o refrigerante natural de Deus, mas não é.
- Salta Caminho me mostrou uma imponente palmeira, um coqueiro, e disse-me que o refrigerante de Deus é a água-de-coco. No que eu concordei plenamente!
- Olha Graveto, esta é a galinha, e a fonte d’água é o ovo. Pois assim como a fonte é a nascente da água, o ovo é a origem da vida do pinto.
O terreno em volta da nascente é conhecido como a Galinha, por ser a região que abriga o Ovo, a nascente d’água.
- Olhei e simplesmente disse: - Assim, sim!...